Relatório internacional destaca os impactos positivos de levar o cuidado para mais perto do paciente — mas, segundo o IBRAVS, descentralizar não basta: é preciso integrar dados, medir resultados e alinhar incentivos para gerar valor real em saúde.
Um novo relatório da consultoria internacional Frontier View analisa os impactos da descentralização do cuidado em países como Reino Unido, Singapura, Holanda e Bélgica. A pesquisa demonstra que, ao reorganizar os serviços de saúde para que o atendimento ocorra fora do ambiente hospitalar — sempre que clinicamente possível — os sistemas conseguiram melhorar o acesso, reduzir internações e otimizar recursos. Para o Instituto Brasileiro de Valor em Saúde (IBRAVS), as experiências são promissoras, mas os ganhos reais só acontecem quando essas estratégias são acompanhadas por coordenação, dados e foco em desfechos.
O conceito de descentralização do cuidado envolve deslocar parte do cuidado para unidades básicas de saúde, ambulatórios ou até a casa do paciente. A proposta busca aliviar a pressão sobre os hospitais, ampliar o acesso, promover a continuidade do cuidado e oferecer uma experiência mais personalizada e humana.
Resultados internacionais com a descentralização do cuidado
Apresentado em julho, em Brasília, o relatório reúne dados concretos de quatro países. O Reino Unido registrou 800 mil internações a menos em 2022, em comparação com 2019, ao expandir o cuidado fora dos hospitais. Singapura poupou 7 mil dias de internação com o programa MIC@Home. A Holanda economiza 2 milhões de euros anualmente com o uso de cuidados remotos, enquanto a Bélgica reduziu em 15% as readmissões hospitalares de pacientes com insuficiência cardíaca.
Descentralização do cuidado e a saúde baseada em valor (VBHC)
Para o presidente do IBRAVS, César Abicalaffe, essas experiências evidenciam caminhos possíveis, mas não devem ser confundidas com uma adoção automática da saúde baseada em valor. “Descentralizar, por si só, não é sinônimo de gerar valor. Pode até criar novas ineficiências se for feita sem coordenação, sem mensuração de resultados e sem foco real naquilo que importa para o paciente”, afirma.
Segundo ele, a descentralização só se alinha aos princípios do VBHC quando está a serviço de uma entrega de valor mensurável: quando contribui para melhorar os desfechos clínicos, otimizar a experiência do cuidado e utilizar recursos de forma sustentável. “O que define se há valor não é o local onde o cuidado acontece, e sim o impacto desse cuidado na vida das pessoas — se elas estão melhores, se evitamos complicações, se o sistema aprendeu com cada atendimento.”
O papel do Brasil na descentralização com foco em valor
O IBRAVS defende que o Brasil tem condições de avançar com uma agenda estruturada nesse campo, aproveitando sua tradição em atenção primária — como a Estratégia Saúde da Família — e conectando-a a uma lógica clara de accountability por desfechos. “Precisamos transformar isso em estratégia de saúde baseada em valor, com sistemas de informação integrados, avaliação contínua e modelos de remuneração que premiem resultados, e não apenas a produção de serviços”, afirma Abicalaffe.
Desafios para transformar descentralização em valor real
No país, diversas iniciativas locais já indicam movimentos em direção à descentralização, mas ainda de forma fragmentada e sem diretrizes nacionais. O desafio, segundo o IBRAVS, é transformar essas experiências em política pública estruturada, com metas claras e alinhamento entre os diferentes níveis do sistema. “Descentralizar não é um fim em si mesmo. Só se torna uma estratégia transformadora quando está a serviço do valor — para quem mais importa: o paciente.”