Tradicionalmente, a avaliação de valor na saúde tem se concentrado na eficácia de custos, com foco na eficiência técnica e alocativa. No entanto, a evolução das políticas públicas e dos marcos conceituais em diversos países tem ampliado esse entendimento, incorporando aspectos éticos, sociais e individuais. Essa discussão é central para a implementação efetiva do modelo de Value-Based Health Care (VBHC).
Os quatro pilares do valor na saúde
Segundo o relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS), “Uma revisão global de cuidados baseados em valor: teoria, prática e lições aprendidas”, publicado pelo Escritório de País para a Índia (2025), o conceito de valor na saúde vem sendo expandido por diferentes jurisdições.
A União Europeia, por exemplo, propõe uma estrutura conceitual baseada em quatro dimensões:
- Valor pessoal, que se refere ao cuidado apropriado para atingir os objetivos individuais dos pacientes;
- Valor técnico, que visa alcançar os melhores desfechos com os recursos disponíveis;
- Valor alocativo, focado na distribuição equitativa de recursos entre todos os grupos de pacientes;
- Valor social, que considera a contribuição do sistema de saúde para a participação social e a conexão comunitária.
Princípios orientadores do NICE (Reino Unido)
O National Institute for Health and Care Excellence (NICE), no Reino Unido, também definiu princípios para valorar o cuidado em saúde que abrangem aspectos morais como o respeito à autonomia, a não maleficência, a beneficência e a justiça distributiva.
Esses princípios orientam a difícil tarefa de equilibrar tensões entre abordagens utilitaristas, que buscam maximizar a saúde da população, e igualitaristas, que defendem uma distribuição justa de oportunidades em saúde.
O NICE ainda destaca a importância da justiça processual, garantindo a participação pública nas decisões, a possibilidade de contestação e revisão de decisões, e o uso de mecanismos públicos de regulação.
Decisões devem ser fundamentadas em evidências clínicas e de saúde pública, levando em conta a efetividade, a custo-efetividade, a escolha individual, condições raras e o chamado “princípio do resgate”. Há ainda uma ênfase clara na não discriminação por fatores como raça, gênero, deficiência, status socioeconômico, idade ou condições estigmatizadas.
Critérios emergentes nas revisões recentes sobre valor
O relatório da OMS também aponta que revisões recentes identificaram uma ampla gama de critérios utilizados para avaliar tecnologias em saúde. Estudos como os de Cromwell et al. e Zhang et al. mostram que critérios como benefícios à saúde, acessibilidade, impacto social, carga da doença, qualidade da evidência, custo-efetividade, ética, equidade, necessidades não atendidas e inovação são frequentemente utilizados.
A importância relativa desses valores pode variar de acordo com o contexto, o tipo de intervenção e o momento histórico, reforçando a necessidade de abordagens flexíveis e adaptáveis.
Novos frameworks para avaliação de valor
Reconhecendo as limitações da análise tradicional de custo-efetividade (CEA), diversos esforços internacionais vêm propondo modelos mais abrangentes. O Segundo Painel sobre Custo-Efetividade nos Estados Unidos sugere a inclusão de expectativas dos pacientes, questões legais, éticas, culturais e logísticas.
Já a International Society for Pharmacoeconomics and Outcomes Research (ISPOR) desenvolveu o modelo Value Flower, que incorpora critérios econômicos, preocupações com justiça social e externalidades das tecnologias, especialmente no contexto de medicamentos e vacinas com custos crescentes.
De quem são os valores considerados?
Outra questão crítica abordada no relatório da OMS é a origem dos valores que devem orientar os sistemas de saúde. Os valores individuais dos pacientes nem sempre coincidem com os objetivos coletivos dos formuladores de políticas públicas.
Em campanhas de vacinação, por exemplo, o direito individual de recusa pode entrar em conflito com a necessidade de alcançar a imunidade coletiva. Países como o Reino Unido e estados norte-americanos como Oregon vêm adotando abordagens mais inclusivas, reconhecendo a importância de integrar múltiplas perspectivas no processo decisório.
Mecanismos de participação cidadã
Governos têm adotado diversas estratégias para promover a participação pública nas decisões em saúde. No Reino Unido, o NICE conta com um conselho de cidadãos como instância formal de engajamento.
Outras iniciativas incluem júris de cidadãos, reuniões comunitárias, enquetes de opinião, consultas públicas online e documentos de consulta compartilhados com grupos representativos.
Essas práticas reforçam a legitimidade e a transparência das decisões, alinhando-se aos princípios da justiça processual.
Como agregar diferentes valores na tomada de decisão?
Frente à diversidade de valores em jogo, o relatório destaca a importância de frameworks que combinem análises técnicas com processos deliberativos envolvendo múltiplos stakeholders.
Modelos como a Análise de Decisão Multicritério (MCDA), o EVIDEM (Evidence and Value: Impact on Decision Making) e a Análise Orçamentária Programática Marginal (PBMA) permitem ponderar diferentes critérios conforme sua relevância no contexto analisado.
A atribuição de pesos pode ser feita por meio de painéis Delphi ou experimentos quantitativos, oferecendo maior precisão e legitimidade ao processo decisório.
Conclusão: uma abordagem contextual, inclusiva e dinâmica
Conforme destaca o relatório da OMS, não existe uma fórmula única ou universal para definir os valores que devem nortear os sistemas de saúde. O modelo de saúde baseada em valor (VBHC) exige uma abordagem contextualizada, que combine eficiência, equidade, evidência científica e participação cidadã.
Além dos tradicionais indicadores de desfechos clínicos e experiências relatadas pelos pacientes (PROMs, PREMs e CROMs), é fundamental considerar critérios éticos, sociais e culturais para assegurar que o sistema de saúde gere valor real para as pessoas.