A maneira como enxergamos a saúde dentro do sistema determina as decisões que tomamos em relação a ela. Se a encaramos apenas como um custo, a tendência natural é buscar maneiras de reduzi-lo.
Se a consideramos um item do orçamento, as políticas adotadas serão de curto prazo, limitadas ao período de vigência daquele orçamento. Esse é o caso típico das políticas de saúde de governos, que frequentemente não são políticas de Estado, mas de gestão temporária.
Produção em massa ou resultados reais para o paciente?
Por outro lado, se enxergarmos a saúde como um mecanismo para maximizar receita, o resultado pode ser um aumento no volume e na complexidade dos atendimentos — nem sempre com impacto positivo nos desfechos clínicos.
O que o setor deveria buscar é um modelo de gestão que priorize os resultados que realmente importam para o paciente, sempre em relação ao custo em saúde necessário para produzi-los.
Essa é a essência da saúde baseada em valor (VBHC – Value-Based Health Care).
Valor: a equação entre desfechos e custos
A relação entre os desfechos obtidos para o paciente e os recursos necessários para alcançá-los é o eixo central desse conceito.
Como dizia Alan Maynard, professor da Universidade de York: focar apenas nos resultados sem considerar os custos é como ter uma carroça sem cavalos para puxá-la.
A eficiência na alocação de recursos precisa andar lado a lado com a qualidade assistencial.
Pesquisas e experiências internacionais impulsionam o modelo
O consórcio entre o Boston Consulting Group e o Instituto Karolinska consolidou essa visão, demonstrando que um sistema de saúde baseado em valor busca entregar os melhores desfechos clínicos possíveis com o menor custo em saúde.
Estudos como os do ICHOM (International Consortium for Health Outcomes Measurement) mostram que a adoção desse modelo pode transformar a maneira como os serviços de saúde são prestados.
Por que agora? Variação na qualidade e explosão de custos
Mas o que fez com que esse conceito ganhasse tanta força globalmente?
- A enorme variação na qualidade dos serviços de saúde
- O crescimento acelerado dos custos no setor
Pesquisas indicam que, mesmo em países desenvolvidos, a variabilidade nos desfechos clínicos é alarmante.
Na Alemanha, por exemplo, a taxa de reoperação em cirurgias de quadril variou 18 vezes entre hospitais.
Essa disparidade levantou questionamentos importantes: como é possível haver tamanha diferença na entrega de cuidados dentro de um mesmo país?
O que realmente importa para o paciente
Comparando os resultados da Alemanha e da Suécia com os da Martini Clinic — referência europeia em cirurgia de próstata — os dados mostraram taxas de sobrevida semelhantes.
No entanto, ao analisar desfechos que realmente importam para o paciente, como incontinência urinária e disfunção erétil, as diferenças ficaram evidentes.
Isso reforça um ponto essencial: medir qualidade em saúde exige foco no que realmente impacta a vida do paciente.
A insustentabilidade do atual ritmo de gastos
O segundo fator que impulsionou a saúde baseada em valor foi o descolamento crescente entre os custos em saúde e a geração de riqueza dos países.
Em diversas nações, os gastos com saúde aumentam em ritmo muito superior ao crescimento do PIB. Esse cenário se repete em sistemas públicos, como o inglês, e privados, como o dos EUA.
No Brasil, a inflação médica cresce acima do IPCA, pressionando operadoras, hospitais e pacientes.
Quatro pilares para viabilizar a mudança
Para viabilizar a transição para um sistema mais sustentável, algumas ações estratégicas são fundamentais.
O framework do Boston Consulting Group destaca quatro pilares:
- Interoperabilidade – informações do paciente acessíveis e integradas.
- Benchmarks e analytics – comparar práticas assistenciais e identificar as mais eficazes.
- Modelos de remuneração por valor – recompensar prestadores com base nos resultados entregues.
- Mudanças organizacionais – criar incentivos para equipes focadas em entregar valor.
Um movimento coletivo por eficiência e impacto
Essa transição exige esforço, mas responde a uma necessidade real: garantir que cada recurso investido gere o maior impacto positivo possível nos desfechos clínicos dos pacientes, com o melhor custo-benefício possível.
A implementação da saúde baseada em valor exige colaboração entre todos os agentes da cadeia: hospitais, operadoras, profissionais de saúde, indústria farmacêutica e empresas de tecnologia.
Apenas com esforços coordenados será possível construir um sistema mais eficiente, justo e centrado no paciente.
Caminhos para uma saúde mais sustentável
É preciso investir em métricas padronizadas, novos modelos de remuneração e fortalecer a cultura organizacional voltada para resultados em saúde.
Quando bem estruturado, esse modelo pode ser a chave para um sistema mais sustentável, eficiente e acessível para todos.