A implementação da Saúde Baseada em Valor (VBHC) exige mais do que boas intenções e mudanças nos modelos de pagamento. Ela depende fundamentalmente de sistemas de informação robustos, integrados e centrados no paciente.
São eles que tornam possível conectar equipes de cuidado, mensurar desfechos, monitorar custos e promover a coordenação necessária para que o cuidado realmente gere valor.
O papel dos sistemas de informação em um modelo baseado em valor
Os sistemas de informação são o alicerce que sustenta a aplicação prática dos pilares da VBHC. Eles fornecem os dados necessários para:
- Integrar serviços e equipes, especialmente em Unidades de Prática Integrada (IPUs);
- Medir desfechos clínicos (CROMs), desfechos reportados pelo paciente (PROMs), custos e uso de recursos;
- Viabilizar modelos inovadores de pagamento baseados em valor.
No entanto, na maioria dos países – inclusive no Brasil – os sistemas de informação em saúde ainda são fragmentados. Dados sobre tratamentos, diagnósticos, exames, medicamentos, custos e satisfação do paciente estão espalhados por diferentes plataformas, o que dificulta uma visão holística da jornada do paciente e prejudica a coordenação do cuidado.
Características ideais de um sistema de TI orientado ao valor
Para apoiar uma jornada baseada em valor, um sistema de informação em saúde precisa ter algumas características fundamentais:
- Centralidade no paciente: os dados devem acompanhar o paciente ao longo de sua jornada, independentemente da instituição ou profissional envolvido.
- Acesso compartilhado e seguro: todos os profissionais envolvidos no cuidado devem poder acessar, de forma autorizada, o prontuário completo do paciente – com histórico clínico, diagnósticos, exames, intervenções e medicamentos.
- Padronização: uso de nomenclaturas comuns e classificações padronizadas para doenças, exames e procedimentos facilita a comunicação, análise e comparação entre diferentes instituições.
- Templates clínicos e apoio à decisão: modelos específicos para diferentes condições clínicas, construídos com participação de profissionais de saúde, facilitam a coleta padronizada e o uso inteligente dos dados.
- Arquitetura aberta e interoperável: o sistema deve permitir extração de dados, geração de dashboards e integração com outras plataformas, respeitando os padrões de segurança e privacidade.
Exemplos internacionais que inspiram
Diversos países já iniciaram a construção de sistemas de informação orientados ao valor:
- NHS Wales (Reino Unido) implementou um programa nacional de VBHC com foco em interoperabilidade e coleta de PROMs via uma plataforma nacional de dados.
- CMS (EUA) promoveu incentivos financeiros para a adoção de prontuários eletrônicos interoperáveis (EHRs) e estabeleceu organizações regionais de troca de informações (HIEs).
- NSW (Austrália) criou a plataforma HOPE para integrar PROMs aos EHRs, conectando-os a um portal de dados do governo.
- MomCare (Quênia e Tanzânia) usa uma solução digital integrada para cuidados em saúde materna, conectando pacientes, prestadores e pagadores. A plataforma coleta dados clínicos e socioeconômicos, usa SMS para engajamento e permite visualização de resultados em dashboards acessíveis aos profissionais.
O Brasil está preparado?
Apesar dos avanços com o Meu SUS Digital (Antigo Conecte SUS) e outras iniciativas locais, o Brasil ainda enfrenta desafios estruturais em interoperabilidade, padronização de dados e acesso a informações compartilhadas. No contexto da VBHC, é urgente:
- Promover investimentos em infraestrutura digital para saúde;
- Estimular o uso de prontuários eletrônicos interoperáveis, com foco no paciente e não apenas na instituição;
- Estabelecer padrões nacionais de dados clínicos e PROMs;
- Criar incentivos para que hospitais, clínicas e operadoras compartilhem dados de forma segura e coordenada.
Conclusão: dados como ativos para a transformação
Sistemas de informação são mais do que ferramentas operacionais – são ativos estratégicos para viabilizar a transformação da saúde baseada em valor. A integração de dados, a centralidade no paciente e a interoperabilidade são pré-requisitos para medir o que importa, melhorar a experiência do paciente e aprimorar os resultados com sustentabilidade.
No Brasil, o avanço para uma saúde baseada em valor depende de um projeto nacional de arquitetura de dados em saúde. Sem isso, VBHC será apenas uma ideia poderosa, mas desafiadora na prática.